segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Cindi Hip Hop


A possibilidade da narrativa como elaboração do sujeito sobre si mesmo é um dos caminhos apontados pela dramaturgia de Cláudia Schapira em CINDI HIP HOP. O espetáculo é fundamentado sob o ponto de vista de quatro jovens que têm sua trajetória definida por diversas situações cotidianas nas quais opressão e preconceito são os principais obstáculos a serem ultrapassados. Além disso, a necessidade de realização de desejos individuais relacionados quase que unicamente à perspectiva de um futuro melhor também oferece ao espectador uma dimensão dramática das quatro histórias nas quais a subjetividade surge como elemento preponderante e aquilo que lhe é externo, as problemáticas sociais, torna-se apenas um pano de fundo para o desenvolvimento pessoal de cada personagem.

Não fosse a valorização da narrativa enquanto forma de encenação e discurso emanado pela voz de cada personagem, o conceito do espetáculo poderia se encerrar em questões privadas envoltas por uma atmosfera de natureza pública, entretanto, num primeiro momento, o que a utilização da palavra sugere é um processo de autoconhecimento que deveria ser da posse de todos, independente da classe social a qual pertencem. Isto seria uma ode ao subjetivismo tão característico do panorama social no qual estamos inseridos ou um estabelecimento de fronteiras entre o âmbito privado e o âmbito público, de modo que aquele que sabe se contar sabe partilhar e, portanto, constrói relações de alteridade e identidade no mundo, tornando-se partícula singular de um tempo plural que diz respeito à sociedade?

Esta verificação e vivificação da palavra se dá numa arquitetura de jogo, na qual o teatro e a realidade se transpassam e se transformam ao longo do espetáculo, formando um espaço de contação cênica e estruturação cênica, ora os atores são as personagens das curtas tramas, ora são aqueles que articulam a cena, como observadores ativos, numa ação que está para além do foco principal da encenação; participam constituindo o todo da cena, articulando os movimentos sonoros e criando uma ponte de interação entre personagens, atores-jogadores e público. Este espaço lúdico de ação afastada traz à tona a voz dos atores como sujeitos ativos da situação, que contêm a reverberação real daquilo que está sendo dito ao público. Em tempo, as histórias apresentadas são todas baseadas em fatos verdadeiros que ocorreram com os participantes do processo.

Em todas as cenas existe a personagem contraponto, ou seja, a figura que tacitamente se opõe às escolhas e desejos dos quatro jovens, entretanto, dentro do que é apresentado, o contraponto não manifesta argumentos realmente palpáveis para bloquear a ação protagônica, acabamos por encontrar em cena vilões melodramáticos que funcionam, partindo de um viés socialmente repressivos, apenas para anular as vontades pessoais dos protagonistas, o discurso em conseqüência aporta num estado de maniqueísmo no qual cada personagem se torna um herói cuja fala está sempre calcada em certezas de bondade pura e sucesso particular, isto traz a potência da narratividade muitas vezes para um lugar esvaziado, em que o autoconhecimento proposto anteriormente revela-se ensimesmado e desprovido de ecos coletivos. Neste ponto fica a questão a ser pensada: quem evidencia as camadas das figuras protagonistas? Eles mesmos com suas necessidades privadas e o tom da narratividade ou contrapontos que hipoteticamente descortinassem a implicação pública destas necessidades? É interessante pensar que perspectivas uma personagem pode assumir diante de um conflito para que haja complexificação da temática proposta, suscitando desta forma uma fagulha a mais no público, a qualidade crítica da interlocução que não precisa estar associada unicamente à experiência plena e pessoalizada dos fatos desenvolvidos em cena.

O espetáculo CIND HIP HOP está na linha tênue entre um processo de construção empática do público para com as personagens que, potencializado pelo intermédio das danças e canções, tateia diretamente campos da identificação subjetiva, e o deflagrar de situações nas quais a opressão é resultado de vários vetores relacionados à família, à moral, ao trabalho, dentre outros significantes sociais.


Paloma Franca

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